O trajeto feito por ele sempre era o mesmo. Pegava a rodovia, dirigia até o quilômetro dezessete , virava em uma rua secundária, andava mais cinco quilômetros até passar por uma pequena ponte e novamente virava em uma rua secundária para chegar em casa. Só que desta vez ele não queria concluir o trajeto. Ele resolveu parar na ponte no acostamento e ir olhar o rio que passava à 10 metros abaixo dele. Eram quase duas horas da manhã. Não dava para ver muita coisa.
Depois de alguns minutos ele percebeu que estava ao lado de uma escada que era soldada na viga de sustentação do lado da ponte onde ele estava. Ele simplesmente não pensou e começou a subir para ver como era a vista lá de cima. Ele não pensou muito, mas acreditava que querer ver como era lá de cima era apenas um dos motivos para subir.
Ao chegar em mais da metade do caminho ele escuta algo caindo na água. Não parecia ser grande. Ele olha para cima se debruçando para o lado da escada e vê algo se mexendo. Curioso, continua subindo as escadas para descobrir do que se tratava.
No topo, ele olha e vê um homem que está sem um dos sapatos em pé numa viga horizontal escorado na viga vertical que está ao lado da viga onde Fred se encontra. Fred simplesmente sobe nesta mesma viga horizontal, se distancia do homem, senta-se na viga e acende um cigarro. Não diz nada, mas o homem percebe que Fred está logo ao seu lado.
Passam-se alguns minutos e o homem diz:
- Quem é você?
Fred que já estava acabando o seu cigarro o joga lá embaixo, solta a fumaça e diz:
- Eu sou o Fred. Quem é você?
O homem faz uma cara de quem não entendeu o que se passou e diz com uma voz um pouco exaltada:
- Eu sou o Jonas. O que você quer aqui?
Fred se levanta, se escota em uma pilastra e olha para a linha do horizonte criada pela copa das árvores e diz com uma expressão calma:
- O mesmo que você, Jonas.
Jonas ainda com uma expressão de desentendimento fala:
- Você não parece querer se suicidar. Você tem cara de quem veio me tirar daqui! Se você chegar perto de mim eu vou pular.
Fred olha para ele com um olhar sereno e diz:
- Rapaz, eu não sou policial. Nem me pareço com um. Não me pareço com super-herói também. Eu tenho os meus problemas e eu gostaria de resolvê-los. Salvar você não mudaria nada na minha vida. Faça o que você bem entender.
Jonas faz uma expressão de descrença junta com um suspiro e diz:
- Você chega aqui, se senta neste lugar extremamente alto como se estivesse sentando em um banco de praça, fuma um cigarro e agora está calmo dizendo coisas de alguém que só tem problemas. Você não parece nada. Muito menos um suicida.
Fred continua olhando para frente e diz com calma:
- Já que você é quem parece suicida aqui, me diz o motivo de você querer se matar.
Jonas para de fazer o olhar de desentendimento, volta-se também para frente, segurasse com mais firmeza na viga e diz:
- Eu tenho trinta e sete anos. Minha mãe faleceu no começo do mês e eu fiquei devastado. Minha mulher semana passada veio me contar que o bebê que ela carrega por sete meses não é meu e sim do meu suposto melhor amigo. Para piorar, ela me contou isso quando eu fui dizer que seriam tempos difíceis, pois eu havia sido despedido da empresa onde trabalhava por quatorze anos por dizer para o meu chefe que o projeto em que ele queria investir era provavelmente a pior coisa que ele podia fazer. Ele tomou isso como afronta e me despediu. Por isso estou aqui.
Fred acende um outro cigarro e não diz nada. Expressa que está pensativo, mas não comenta nada. Somente aproveita o seu cigarro. Olha para Jonas com um olhar tranquilo e jonas volta com a expressão de desentendimento e diz:
- E você, senhor "não sou suicida", qual a sua história para estar aqui já que você não diz nada.
Fred volta a olhar para frente, tira o cigarro da boca e o segura entre os dedos e diz:
- Eu estou beirando os sessenta anos de idade. Sou viúvo e minha filha se casou e foi morar com um rapaz que ela conheceu em uma viagem que fez à Europa a cerca de três anos atrás. Eu me sinto sozinho e gostaria de encontrar com a minha esposa novamente.
Jonas ri e diz:
- Você só pode estar brincando. Você não tem uma vida ruim e quer acabar com ela? Qual o seu problema?
Fred responde:
- A sua vida não é ruim e você quer acabar com ela e eu que tenho problemas?
Jonas para de sorrir, franze o rosto e diz:
- A minha vida é bem ruim até onde eu me lembro e...
Fred o interrompe falando:
- E você é novo e pode refazer tudo de novo. Eu já amei, já vivi meu sonho de ter uma empresa bem sucedida, não tenho mais amigos vivos pois todos eram bem mais velhos que eu já se foram e a unica pessoa com quem eu me importo está feliz longe de mim.
Jonas sente o peso de tristeza nas palavras de Fred e diz:
- Eu não acho que você deveria pular. Acho que você deveria terminar de viver essa vida boa e ter paz no fim.
Fred olha para ele enquanto põe o cigarro quase acabado de volta na boca e diz:
- Eu acho que você não devia se matar, pois você aprendeu que a sua mulher não te amava o suficiente e preferiu outro, o que faz você estar melhor sem ela, e que você dá importância ao que é certo independente de quem você vai ter que afrontar. Arrume outra mulher e outro emprego. Você não amava nenhum dos dois a ponto de morrer por isso, sejamos francos.
Jonas olha para Fred com um olhar de quem teve uma epifania, não diz nada, seus olhos começam a lacrimejar e ele se aproxima da escada. Ele começa a descer. Fred acaba seu cigarro e começa a descer logo em seguida. Quando os dois chegam ao chão Fred olha para jonas e diz:
- Que bom que você resolveu lutar, rapaz. Fico feliz por você.
Jonas sorri e diz brincando:
- E você, vovô, por que não pulou?
Fred vira-se e começa a andar para o seu carro procurando as chaves em seu bolso e diz:
- Porque eu precisava de um amigo que me fizesse sentir que eu fazia diferença para algo e eu já o encontrei.
Jonas fica lisonjeado e sem palavras enquanto Fred começa a abrir a porta do seu carro, ele entra no carro e começa a vir em sua direção fora do acostamento até parar do lado dele. Jonas se debruça na janela e Fred diz:
- Quer uma carona, meu amigo?
Jonas sorri e entra no carro que agora reflete a luz do sol de um amanhecer em um dia com poucas nuvens no céu e apenas um sapato e dois cigarros boiando em um rio.