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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Melhores amigos.

É um fim de tarde e Milton está em seu computador acabando um relatório quando entra em seu quarto o seu irmão mais novo e deita-se na cama e fica encarando a porta. Milton vira-se para ele, vê que seu irmão parece muito irritado e pergunta:

- Algum problema, amigão?

O irmão sem desviar o olhar da porta apenas responde:

- Só quero ficar aqui um pouco no ar condicionado. Me deixa em paz.

Milton sorri e voltasse para o seu relatório. Passam algumas cerca de duas horas e Milton acaba seu relatório e vê que Douglas, seu irmão mais novo, estava dormindo. Ele sai do quarto e vai comer alguma coisa.

Quando volta para o quarto, o irmão está vendo televisão e Milton puxa papo perguntando:

- Já está mais calmo para me dizer o que aconteceu?

Douglas com uma feição mais serena responde:

- Ah! Briguei com a Milena de novo, cara.

Milton sorri e pergunta:

- E precisava ficar tão irritado assim?

Com um olhar de desabafo Douglas diz:

- Cara, a gente meio que terminou e eu nem sei bem o que eu vi nela para começar a namorar. Por isso fiquei irritado.

Milton fica com uma expressão de pensativo e diz:

- Você está me dizendo que não sabe o que viu na sua ex ou atual namorada. Você ao menos sabe o que procurar em uma namorada.

Douglas levanta um pouco seu tom de voz por conta da frustração e diz:

- Pelo visto não! Que raiva!

Milton se mantém sereno e tentando mostrar que ainda há esperanças para o irmão tão novo. Ele diz:

- Meu amigo, nem sempre a vida são flores. Mas o jardim está aí. É só saber procurar.

- Procurar o que? Essa é a questão.

- Você quer uma namorada, certo?

- Certo.

- Uma pessoa que te faça feliz, correto?

- Correto.

- Você está apaixonado pela Milena?

Douglas se vê desprevenido e não sabe como responder tal pergunta, eis que ele diz:

- E como saber isso?

Milton suspira, recosta em sua cadeira e fala:

- Bom, a gente sabe.

Douglas deitasse olhando para o teto e começa a pensar se era o caso dele. Se ele realmente não sabia o que procurar em uma mulher e se de fato ele estava ou não apaixonado. Antes da conclusão, Milton fala:

- Sabe como você devia ver a sua namorada? Como alguém que você achava que nunca teria, mas que ao mesmo tempo consegue se ver tendo.

Douglas não entende e pergunta:

- Como assim?

- Imagina aquela mulher que você julgou nunca ser o seu tipo, nunca estar englobada no padrão de mulheres com quem você se envolve. Essas são as melhores. É como andar vendado.

Douglas fica mais e mais confuso. Ele pensa em perguntar algo para que isso que o irmão mais velho acabara de dizer faça sentido, mas nada lhe vem à cabeça. Então Milton continua.

- Vou tentar explicar. O bom da vida é não saber qual o caminho seguir. É aí que você se sente vivendo. Não coberto de duvidas e inseguranças, nada disso. Só viver sem saber as respostas para todas as perguntas.

Douglas parece entender basicamente a idéia que seu irmão quis lançar e então fala:

- Então o melhor tipo de namorada é o tipo que faz você não ter todas as respostas? E ficar só com as perguntas?

Milton gargalha com a pergunta inocente do irmão mais novo e responde:

- Não. Você alcança as respostas junto com ela. Com o tempo. Essa que é a beleza da coisa, entendeu?

Douglas sorri e diz:

- Entendi! Agora faz sentido. Seguir junto dela. Mas espera... é isso que eu tenho que procurar numa mulher?

Milton sorri um pouco sem graça e diz:

- Na verdade isso é durante o namoro. O antes é diferente. Eu fugi do assunto, desculpe.

Douglas volta a se jogar na cama. Cruza os braços e volta a encarar o teto com uma expressão de desapontamento. Eis que Milton diz:

- O que você tem que procurar é uma beleza que só você veja. Uma que você só consiga descrever com o tempo ou talvez nunca consiga. Que não seja uma qualidade física ou da personalidade. Algo que seja único.

E Douglas pergunta com um tom de ironia:

- Como se eu visse uma aura em volta dela?

Milton balança sua cabeça e diz:

- Se esse for o “algo único” que eu falei... Sim.

Douglas parece finalmente ter entendido. Ele por um breve momento se mantém preso aos seus pensamentos e gradativamente começa a esboçar um largo sorriso. Levanta-se da cama lentamente e diz:

- A Milena tem esse “algo único” que você falou.

Milton contente levanta-se da cadeira, dá um tapinha no ombro do irmão e diz:

- Isso é no mínimo paixão, meu amigo. Ela tem sorte.

Dito isso Douglas levanta-se da cama e vai direto para o telefone fazer as pazes com a sua namorada e Milton contente pega as chaves do seu carro e sai de casa sentindo que talvez tenha feito alguém feliz naquela noite.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O que as traças deixaram.

Minha velha, vem aqui! Preciso te mostrar uma coisa!

Eu encontrei as suas cartas, amor. As suas e de muitas outras pessoas. Nem parece que fazem tantos anos desde esses momentos de glória retratados em cada uma das cartas. Todas cheias de amor e cheias de carinho. As suas são as melhores, sua boba. Deixa de besteira.

Olha essa carta aqui daquele amigo que brigou comigo por causa de um rabo de saia. Nem acredito que eu ainda tenho isso. Achei que as traças iam se livrar dessa carta antes que eu pudesse vê-la de novo. Que engraçado encontrar ela aqui nessa caixa que estava tanto tempo na nossa garagem.

Veja só esta carta aqui, meu bem. Ainda tem um resquício do perfume da menina que me escreveu. Não, amor! Tudo bem, agora é lixo essa carta...

Ah... Eu lembro desta aqui. Foi de quando eu briguei com uma grande amiga minha. Sim, minha linda. Era só uma amiga. Ela que me ajudou quando papai faleceu. Ela me salvou da depressão. Eu já te contei sobre ela, não é? Pois é, estou vendo que nessa caixa estão contidas mais boas lembranças do que ruins. Que bom!

Nossa! Lembra-se dessa carta, querida? Sim, é ela sim! Essa é a primeira carta que eu recebi sua. Da época em que nós ainda estudávamos. Eu te disse que tinha guardado em um lugar seguro e que não a tinha perdido. Que lembrança boa.

Dessa eu não me lembro. De quem será? Ah, sim. Lembro bem dessa mulher. Eu ainda era jovem. Devia ter por volta de 30. Quando li essa carta eu tive certeza de que eu soube o que era amor. Foi uma pena ter acabado do jeito que acabou. Sorte que o destino me deu uma chance de verdade e eu te conheci.

Tem muitas cartas que não tem mais nem como saber quem escreveu. Olha só isso. Parece que dessa só sobrou um quarto. Traças malditas. Levaram talvez umas boas lembranças embora. Ao menos deixaram algumas outras. Isso basta.

Já se passou muito tempo! Olha só a hora! O chá já deve estar pronto...

Bom, vamos parar de mexer nessas caixas cheias de poeira. Vamos lá para dentro. O chá vai esfriar.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Como você funciona?

Caí da cama certa noite em cima de um livro que não conhecia. Eu estava dormindo, sonhando que voava e acabei rolando para cima da pilha de livros que fiz sem querer ao lado da minha cama. Eu nunca tinha me dado conta de quantos livros eram. Era uma pilha enorme com cerca de 600 livros. Para um garoto de 13 anos isso parece um número infinito de livros.
Ao tomar o susto por conta da queda e recobrar a consciência, estava encarando um livro que não conhecia. Era um livro que tinha como título: manual. Eu não sabia que manual era aquele. Era grosso demais para ser um manual de algum eletrônico que eu comprara. Fui ler para ver do que se tratava e se eu reconheceria tal produto.
Eu li cada página e parecia um livro de auto-ajuda que falava de relacionamentos. Achei estranho demais o título e o conteúdo do livro, mas continuei lendo. Eram coisas estritas ali que faziam muito sentido. Muitas informações relevantes que eu poderia utilizar. Coisas como: como abordar uma mulher numa festa, quais assuntos puxar, quais não puxar e como tratá-la bem sem parecer querer ser amigo dela.
Parecia que só faltava eu limpar a terra que havia sujado meu rosto, botar minha picareta no chão e ir desfrutar da pepita de ouro que eu havia acabado de encontrar. Eram coisas que eu nunca havia pensado em fazer e era tudo explicado parecendo infalível.
Eu li o livro inteiro em algumas horas e idéias surgiam na minha mente conforme as horas iam se passando. Eu pensava em situações e nas maneiras que iria lidar com cada uma delas. Todas agora pareciam tão fáceis. Me sentia superior, me sentia inatingível. A sensação era ótima.
No dia seguinte eu fui procurar o livro e não achei. Perguntei para todos na minha casa se tinham o visto, mas ninguém o viu. Achei estranho, mas depois deixei isso de lado. As informações estavam na minha mente e eu ainda podia colocá-las em prática. Eu me sentia mais humano por ter perdido aquele livro tão cheio de sabedoria, mas me sentia grande por tê-lo lido.
Passaram-se anos e a pilha de livros sumiu. Tornou-se uma estante empoeirada e esquecida com o tempo. O menino que um dia teve tanta fé em livros e que adorava cada história que leu havia deixado de acreditar. Um mero livro que ele leu uma vez e que nunca mais se quer foi visto por ele acabou com isso.
Com os anos o menino viu que o "manual" não era certo, que não dependia só dele e que nem tudo poderia ser explicado ou entendido. No livro não dizia nada sobre amor, não dizia nada sobre frustração e nem sobre paixões impossíveis. No fim das contas o menino que agora era um homem via aquele livro como de fato um manual. Algo que explica o funcionamento de algo mecânico e padronizado.
Mas ele nunca esqueceu de algumas coisas que leu. Coisas que talvez fossem de interpretações particulares. Uma delas foi a conclusão do livro que dizia que cada mulher é diferente de maneira que se vê de longe. Não pela classe social ou por algo parecido. Por algo menor e mais peculiar, mas que não pudesse deixar de ser incluída naquele livro. Porque mesmo que ela fosse diferente em algum aspecto, ela teria o seu próprio "manual". Cabia ao homem certo defini-lo como conseguisse, mas que isso não garantiria nada. Aquilo não se tratava de uma máquina.