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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Asas, auréola e uma conversa.

- O que você faz aqui em cima deste prédio, meu amigo?
- Estou observando algumas pessoas que gosto.
-Mas com esse olhar inconformado? O que aconteceu?
- Eu estou um pouco decepcionado com eles. Eles são boas pessoas, mas andam fazendo escolhas que eu não compreendo e nem aprovo.
- Entendi. Você se preocupa muito com eles, não é?
- O suficiente para estar aqui com esse olhar e tentando pensar em uma maneira de ajudá-los.
- Me conta... O que eles fizeram para te deixar assim?
- Está vendo aquele homem no prédio verde no terceiro andar? Aquele que é calvo e está vestindo uma camisa branca.
- Sim, vejo.
- Ele morava no bairro nobre da cidade, era um homem ambicioso e batalhador. Um belo dia se apaixonou por uma mulher que não fazia nada além de deixá-lo sem querer crescer, pois ela tinha uma visão de vida estagnada. Então ela não tinha pretensão de melhorar de vida e isso fez com que ele desistisse da dele e vivesse uma vida medíocre com ela.
- Espera. Se ele é feliz, ele fez o certo.
- Como uma pessoa é feliz depois de perder a fé no que ele sentia, ter uma vida que odeia e tentar se suicidar três vezes? Ele só está ali naquele cômodo daquele apartamento, pois eu o salvei duas vezes. O chefe quase me despediu por isso, mas eu não pude deixá-lo se matar. Ele ainda pode ser grande como foi um dia. Mas eu não sei se ele vai conseguir, pois o chefe não deixa mais eu ver o futuro dele.
- Bom, eu não sabia disso. É só ele por que você zela e se preocupa?
- Não. Está vendo aquela mulher loira naquele prédio espelhado no sétimo andar arrumando o cabelo?
- Sim, vejo.
- Ela está hoje com 23 anos, mora sozinha, é independente e tem um bom emprego. Só que ela fez uma promessa para ela mesma que nunca faria sexo sem amor. Por algumas vezes ela se descuidou com bebidas e fez. Ficou arrasada com ela mesma e tentou se policiar, mas um belo dia ela resolveu mudar e nunca mais lembrou da promessa que ela tinha feito que que dizia ser tão importante.
- Mas ela está bem.
- Você não reparou nos números em cima da cabeça dela? Faltam somente 4 dias para ela começar a morrer.
- Eu vi. Pessoas morrem. É algo que faz parte da vida.
- Ela vai começar a morrer, pois vai sair com os amigos, beber demais e dormir com um rapaz que vai encontrar com ela na festa em que ela estará. Esse rapaz tem AIDS e não vai contar para ela. O preservativo vai estourar em algum momento e ela vai contrair a doença.
- Nesse caso é algo a se pensar. Uma intervenção seria boa, mas eu não acho prudente depois do chefe já ter te chamado a atenção.
- Fico com pena, pois ela é uma boa pessoa que apenas nunca teve quem a instruísse a amar. Ela aprendeu sozinha da maneira dela. Uma pena.
- Olhe pelo lado bom. São só duas pessoas com problemas, existem muitas outras que te trarão alegrias.
- A questão não é quantidade. O que me deixou da maneira que estou é o fato das coisas terem tomado um rumo que essas pessoas não iriam querer se tivessem pensado melhor. E que agora estão destinadas a seguir por esses caminhos e se arrepender até terem força para mudar. Isso se elas conseguirem mudar.
- Como eu disse... Olhe pelo lado bom, são somente duas pessoas.
- Na verdade existe mais uma pessoa. Aquele homem ali naquele prédio humilde no fim do quarteirão. Quarto andar. Aquele ano fumando debruçado na janela.
- O que tem ele?
- Ele nunca teve uma uma vida fácil, foi sempre derrubado. Ele foi criado pela mãe e as irmãs mais velhas, pois o pai o abandonou. Teve que cuidar do enterro da mãe sendo jovem por ser o homem da casa. E agora tem esse pequeno apartamento que está hipotecado, pois ele perdeu o emprego.
- Mas nem todo mundo nasce com sorte na vida. Ele por acaso foi uma delas. Uma pena, mas acontece.
- A questão não é essa. Ele teve forças para não ter nenhum vício até os trinta e um anos de idade. Depois de poucos dias tendo hipotecado a casa, resolveu fumar um cigarro e depois do primeiro ele não parou. Agora ele fuma dois maços por dia e daqui há um mês ele sentirá os efeitos do câncer que ele tem no pulmão esquerdo.
- Só que essa foi a escolha dele. Não podemos fazer nada.
- A questão é que antes da mãe dele morrer, ele prometeu a ela que nunca teria um vício, pois ela contou a ele que a família era desestruturada por conta dos mesmos. O pai era alcoólatra e saiu de casa e nunca mais voltou, pois batia nas filhas e na esposa e o também contou que o tio havia morrido de câncer por fumar três charutos por dia.
- E mesmo assim ele achou que não seria o caso dele?
- Eu acredito que ele nem pensou a respeito. Essa foi a maneira dele de esquecer por um breve momento o quanto a vida foi injusta com ele. Mas ele não devia culpar a vida, ele que não tentou se levantar em momento nenhum. Agora só resta um mês de vida para ele.
- Bom, agora eu também quero me sentar, me dê um pouco de espaço.
- Vai sentar por quê?
- Porque agora eu entendi o que você está passando e fiquei como você está.
- Entendi. "Em que ponto chegamos", não é? Esse é o pensamento que está na sua cabeça, como na minha...
- Não. "Em que ponto eles chegaram". Foi nisso que eu pensei.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Uma amizade com raízes.

Esta é uma história simples e comum. Uma história em que tudo podia dar certo, mas seria fácil demais... assim, houveram problemas, houveram lágrimas e sorrisos e finalmente houve algo. É algo sobre dois amigos. Amigos de verdade e sobre o tempo. Nada além e nada menos que isso.
Como em toda história, começamos falando dos dois personagens. Um deles se chama Flávio e o outro Roberto. Flávio é o rapaz responsável e trabalhador que nunca perde a esperança nas pessoas e sempre procura o que a pessoa tem de melhor dentro dela. Apesar de nem sempre conseguir, ele tenta ser a melhor pessoa que ele pode ser. Ele sempre se viu dependente de Roberto por ser carente de momentos felizes por se abalar muito com as poucas tristezas que viveu. Roberto tem uma visão de vida menos otimista e é mais racional beirando a frieza, porém em alguns momentos vagos dá para ver que há um coração batendo no peito dele. Ele sempre tentou passar a ideia de que não precisava de ninguém, mas todos que o conheceram sabiam que era mentira.
Passou muito tempo e esses dois cresceram juntos. Eles não tinham a mesma idade, mas tinham uma visão sobre o amor muito parecida. Os papos sobre as mulheres duravam horas e horas, eles inventavam teorias e tentavam deduzir tudo que fosse possível sobre esses seres tão pouco compreendidos pelos homens. Assim começou uma amizade sadia. Falando besteira tendo uma visão parecida sobre algo que eles inegavelmente adoravam. Mulheres.
No começo a falta de maturidade de ambos não os fez ser nada além de espectadores e especuladores, mas com o tempo eles aprenderam um truque ou outro. Não só com as mulheres, mas também sobre a vida. Hoje Flávio tem 25 e Roberto tem 27 e eles sabem muita coisa sobre muitas coisas. Será que isso é tudo?
Por muito tempo eles não se viram. Eles brigaram por não suportar certas diferenças e ficaram algum tempo sem se falar. Por alguns momentos passavam brevemente pensamentos na cabeça de cada um sobre o que havia acontecido. Eles se peguntavam qual havia sido o motivo da briga e não havia resposta. Havia saudade dos momentos de teorias infantis e gargalhadas exageradas.
Um dia os dois esbarraram um no outro em um bar que eles costumavam frequentar. Flávio estendeu a mão e disse para Roberto:
- Opa, tudo bem?
Roberto olhou para ele com um uma reação de desentendimento e sem apertar a mão dele disse:
- Da licença, amigo... Quero passar.
Flavio ficou com uma cara de desapontamento, abaixou a mão e deu passagem e Roberto foi embora. Logo depois enquanto Flávio está andando até seu carro e acendendo o cigarro que havia ido comprar no bar, vê Roberto esperando por ele encostado no seu carro. Flávio diz:
- Algum problema... amigo?
Roberto não revida a ironia e diz:
- Por que você teve que fazer aquelas coisas, cara? O que eu fiz pra você? Eramos melhores amigos.
Flávio esboça uma reação de desentendimento e diz:
- Do que você tá falando, Roberto? Eu não fiz nada.
Roberto balança a cabeça olhando para o chão com uma expressão mostrando que não crê no que ouviu e diz:
- Você começou a beber demais, bateu o carro na minha casa e depois disso sumiu e agora diz que não fez nada? Por que você não se desculpa? É o mínimo que você poderia fazer.
Flávio fica cabisbaixo e diz:
- Eu não pude falar ou fazer nada. Eu bebi demais, roubei o carro da minha mãe e bati na casa do meu melhor amigo por estar embriagado demais. Eu só consegui fingir que nada havia acontecido.
Roberto não diz nada. Ele olha para Flávio com uma expressão de raiva, mas ao mesmo tempo ele entendia como o amigo se sentia envergonhado. Então antes de Roberto falar algo, Flávio diz:
- Faz o que você tem que fazer, Roberto... Eu mereço.
Roberto esmurra o rosto de Flávio com muita força. Flávio é jogado contra a porta de seu carro que amassa e cai no chão. No seu rosto logo abaixo do olho direito há um corte e ele está zonzo. Quando ele olha para Roberto, vê que ele está estendendo a mão para ajudá-lo a levantar. Quando Flávio se levanta, Roberto diz:
- A gente se divertiu muito, a gente viveu muita coisa e aprendeu muita coisa. Eu te amo como um irmão. Você fez falta. Vamos conversar e rir... sinto saudade disso.
Flávio sorri e eles entram no bar, sentam em uma mesa enquanto Roberto bebe uma cerveja e Flávio toma um refrigerante e fuma um cigarro.
Uma história comum e que pode ser contada por muita gente que viveu algo parecido. Mas talvez o que essas pessoas não tenham vivido foi viver uma vida com um amigo de verdade. Um que se desculpa da maneira que for e outro que aceita as desculpas da maneira que for.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Justiça psicopata.

Era uma tarde de terça feira e eu chegava em casa novamente exausto. Não conseguia fazer com que aquela dor de cabeça me deixasse em paz e nem que minhas mãos parassem de latejar após o contínuo uso delas naquele teclado horrível do escritório. Tentei tomar dois analgésicos e até soníferos e nenhum deles conseguiu fazer com que eu encontrasse alguma paz.
Me vejo deitado na cama olhando para o teto por cerca de três horas e daqui a duas horas tenho que voltar para o trabalho. Aquele lugar fétido cheio de pessoas falsas e que somente estão ali para sugar toda a capacidade pensante das pessoas em cargos abaixo dos deles e usar para benefício próprio. Aproveitadores malditos que me enojam.
Passaram 2 horas e meu expediente nem está pela metade. Não acredito que eu consegui resistir esse tempo todo com essa dor de cabeça e essas mãos trêmulas apenas com um copo de café e um analgésico. Não sei se as seis horas que me restam vão passar com tanta facilidade como essas ultimas duas. Espero que sim.
Até que a hora do fim do expediente chegue, pretendo ir muitas vezes ao banheiro para poder espairecer já que aquele gordo que eu chamo de chefe fica passando no corredor de quinze em quinze minutos para ficar observando se todos estão trabalhando como os escravos que ele tanto queria ter. Como eu odeio aquele idiota.
Já passam das nove da noite e era para eu ter saído daqui tem três horas, mas novamente a desgraçada da minha supervisora veio com aquele tom de voz de quem está querendo me chantagear e falou que "gostaria" que eu ficasse fazendo hora extra para compensar as faltas da semana no meu setor. Vadia. Deve estar fazendo sexo novamente com aquele cara do quinto andar. Boçal que não sabe que essa vagabunda tem aids. Bom, essa foi a unica vez nesse dia em que eu esbocei um leve sorriso.
Cheguei em casa novamente e lá estava eu... deitado na cama entorpecido de remédios que me fariam dormir, mas me mantém acordado num estado vegetativo e estático. Me sinto morto cada dia que passa enquanto aqueles miseráveis do meu trabalho sugam toda a minha vida e transformam em dinheiro.
Por volta das cinco da manhã eu consigo dormir e seis e meia eu acordo para mais um dia de trabalho. Se é que eu posso chamar aquilo de trabalho. Aquilo é uma chacina intelectual. Se as barbaridades estupidas que eu escuto e vejo todos os dias fossem sangue, acho que eu estaria naquela cena do filme do Kubrick onde vem uma onda de sangue e enche um corredor inteiro. Eu não acredito que ainda não tomei nenhuma atitude. Gostaria de ser alguém diferente nesse ponto.
Quando abro a porta de casa eu esbarro com o carteiro e ele me entrega a encomenda que eu estou esperando cerca de três meses. Volto para dentro de casa eufórico e abro a caixa como uma criança abre seu presente de natal na manhã do dia vinte e cinco. Ela é linda. Preta, com um cartucho cheio. Pesa cerca de quatrocentos grama e é perfeita.
Minhas mãos começam a tremer mais ainda, vejo meu coração batendo pela minha camisa e minha respiração está pesada demais. Tomo todas as pílulas que encontro e caio na cama sem saber o que eu fiz.
Acordo duas horas depois com o telefone tocando. É o gordo me ligando perguntando onde eu estou. Nesse momento eu já não sou eu mesmo. Eu não respondo nada, apenas desligo meu telefone, visto uma gravata e boto a minha arma na cintura.
Ao chegar no escritório me tranco com o meu chefe na sala dele e o torturo até ele morrer de hemorragia, logo depois vou até a sala da minha supervisora e faço ela ir para a sala do boçal do quinto andar e mostrar pra ele um exame de sangue dela que diz que ela é soro positivo e logo depois disso dou um tiro na cabeça dela.
E essa é a minha história. Eu não quero saber o que o juri vai achar, meritíssimo. Eu estou cagando para esses idiotas desocupados que estão aqui ouvindo essa ladainha para ganhar dez reais. Eu estou em paz, eu consigo dormir todas as noites e acordar com um sorriso no rosto. Eles me mataram por oito anos. Eu só os matei um dia. Acho justo.