- Estou observando algumas pessoas que gosto.
-Mas com esse olhar inconformado? O que aconteceu?
- Eu estou um pouco decepcionado com eles. Eles são boas pessoas, mas andam fazendo escolhas que eu não compreendo e nem aprovo.
- Entendi. Você se preocupa muito com eles, não é?
- O suficiente para estar aqui com esse olhar e tentando pensar em uma maneira de ajudá-los.
- Me conta... O que eles fizeram para te deixar assim?
- Está vendo aquele homem no prédio verde no terceiro andar? Aquele que é calvo e está vestindo uma camisa branca.
- Sim, vejo.
- Ele morava no bairro nobre da cidade, era um homem ambicioso e batalhador. Um belo dia se apaixonou por uma mulher que não fazia nada além de deixá-lo sem querer crescer, pois ela tinha uma visão de vida estagnada. Então ela não tinha pretensão de melhorar de vida e isso fez com que ele desistisse da dele e vivesse uma vida medíocre com ela.
- Espera. Se ele é feliz, ele fez o certo.
- Como uma pessoa é feliz depois de perder a fé no que ele sentia, ter uma vida que odeia e tentar se suicidar três vezes? Ele só está ali naquele cômodo daquele apartamento, pois eu o salvei duas vezes. O chefe quase me despediu por isso, mas eu não pude deixá-lo se matar. Ele ainda pode ser grande como foi um dia. Mas eu não sei se ele vai conseguir, pois o chefe não deixa mais eu ver o futuro dele.
- Bom, eu não sabia disso. É só ele por que você zela e se preocupa?
- Não. Está vendo aquela mulher loira naquele prédio espelhado no sétimo andar arrumando o cabelo?
- Sim, vejo.
- Ela está hoje com 23 anos, mora sozinha, é independente e tem um bom emprego. Só que ela fez uma promessa para ela mesma que nunca faria sexo sem amor. Por algumas vezes ela se descuidou com bebidas e fez. Ficou arrasada com ela mesma e tentou se policiar, mas um belo dia ela resolveu mudar e nunca mais lembrou da promessa que ela tinha feito que que dizia ser tão importante.
- Mas ela está bem.
- Você não reparou nos números em cima da cabeça dela? Faltam somente 4 dias para ela começar a morrer.
- Eu vi. Pessoas morrem. É algo que faz parte da vida.
- Ela vai começar a morrer, pois vai sair com os amigos, beber demais e dormir com um rapaz que vai encontrar com ela na festa em que ela estará. Esse rapaz tem AIDS e não vai contar para ela. O preservativo vai estourar em algum momento e ela vai contrair a doença.
- Nesse caso é algo a se pensar. Uma intervenção seria boa, mas eu não acho prudente depois do chefe já ter te chamado a atenção.
- Fico com pena, pois ela é uma boa pessoa que apenas nunca teve quem a instruísse a amar. Ela aprendeu sozinha da maneira dela. Uma pena.
- Olhe pelo lado bom. São só duas pessoas com problemas, existem muitas outras que te trarão alegrias.
- A questão não é quantidade. O que me deixou da maneira que estou é o fato das coisas terem tomado um rumo que essas pessoas não iriam querer se tivessem pensado melhor. E que agora estão destinadas a seguir por esses caminhos e se arrepender até terem força para mudar. Isso se elas conseguirem mudar.
- Como eu disse... Olhe pelo lado bom, são somente duas pessoas.
- Na verdade existe mais uma pessoa. Aquele homem ali naquele prédio humilde no fim do quarteirão. Quarto andar. Aquele ano fumando debruçado na janela.
- O que tem ele?
- Ele nunca teve uma uma vida fácil, foi sempre derrubado. Ele foi criado pela mãe e as irmãs mais velhas, pois o pai o abandonou. Teve que cuidar do enterro da mãe sendo jovem por ser o homem da casa. E agora tem esse pequeno apartamento que está hipotecado, pois ele perdeu o emprego.
- Mas nem todo mundo nasce com sorte na vida. Ele por acaso foi uma delas. Uma pena, mas acontece.
- A questão não é essa. Ele teve forças para não ter nenhum vício até os trinta e um anos de idade. Depois de poucos dias tendo hipotecado a casa, resolveu fumar um cigarro e depois do primeiro ele não parou. Agora ele fuma dois maços por dia e daqui há um mês ele sentirá os efeitos do câncer que ele tem no pulmão esquerdo.
- Só que essa foi a escolha dele. Não podemos fazer nada.
- A questão é que antes da mãe dele morrer, ele prometeu a ela que nunca teria um vício, pois ela contou a ele que a família era desestruturada por conta dos mesmos. O pai era alcoólatra e saiu de casa e nunca mais voltou, pois batia nas filhas e na esposa e o também contou que o tio havia morrido de câncer por fumar três charutos por dia.
- E mesmo assim ele achou que não seria o caso dele?
- Eu acredito que ele nem pensou a respeito. Essa foi a maneira dele de esquecer por um breve momento o quanto a vida foi injusta com ele. Mas ele não devia culpar a vida, ele que não tentou se levantar em momento nenhum. Agora só resta um mês de vida para ele.
- Bom, agora eu também quero me sentar, me dê um pouco de espaço.
- Vai sentar por quê?
- Porque agora eu entendi o que você está passando e fiquei como você está.
- Entendi. "Em que ponto chegamos", não é? Esse é o pensamento que está na sua cabeça, como na minha...
- Não. "Em que ponto eles chegaram". Foi nisso que eu pensei.